H. G. WELLS |
Os astrónomos da Babilónia, como os astrónomos chineses, apesar dos muitos séculos de observação das estrelas, continuavam a supor que a terra fosse plana. Foi a cultura grega que primeiro logrou perceber claramente a forma esférico do mundo, mas, mesmo assim, não aprendeu de forma alguma a vastidão do universo. O globo da terra era o centro da existência; o sol, a lua, os planetas, as estrelas, moviam-se em volta desse suposto centro, em esferas cristalinas. Só no século XVI, a inteligência dos homens ultrapassou tal concepção, e Copérnico propôs a sua espantosa hipótese de que o sol, e não a terra, era o centro do sistema. E só com a invenção do telescópio por Galileu, nos princípios do século XVII, é que o ponto de vista de Copérnico se tornou geralmente aceite.
O aparecimento do telescópio assinala, com efeito, uma nova fase do pensamento humano, uma visão nova da vida. É extraordinário que os Gregos, com a sua cultura penetrante e vivaz, nunca tenham compreendido as possibilidades, nem do telescópio, nem do microscópio. Nunca fizeram uso de lentes. E viviam, entretanto, num mundo em que o vidro era conhecido e em que há muito se sabia perfeitamente faze-lo. Rodeavam-nos frascos e garrafas de vidro, através dos quais observavam imagens deformadas e aumentadas das coisas.
Mas a ciência na Grécia era pesquisada por filósofos aristocráticos, homens que, com as tardias excepções do engenhoso Arquimedes e de Hierão, tinham demasiado orgulho em aprender com simples artesões: como joalheiros e trabalhadores do metal ou do vidro.
A ignorância é o primeiro castigo do orgulho. O filósofo não possuía habilidade mecânica, e o artesão nenhuma educação filosófica. Ficou assim para outra época, mais de mil anos depois, a tarefa de aproximar o vidro e o astrónomo. Coube a galileu fazê-lo e, desde então a astronomia e o telescópio não mais se separaram. Juntos, arrancaram das profundidades do espaço todo um véu de ignorância e falsas suposições. A ideia de que o sol era o centro do universo substitui a que atribuía essa posição ao globo da terra. Sabemos, agora, que o nosso sol não pode sequer incluir-se entre as estrelas maiores; não passa de um dos menores focos de luz.
O telescópio libertou a imaginação humana como nenhum outro instrumento o fez jamais. Se algum aparelho teve influência comparável à sua, esse foi o espectroscópio, que se desenvolveu depois das descobertas de Fraunhofer, o artista do vidro, em 1814. O homem conhece o arco-íris desde que vive na terra, mas quem lhe diria que aquelas fitas de cor escondiam o segredo da possibilidade de se analisar a composição das estrelas? Ora, o espectroscópio, recebendo os raios de uma fonte luminosa, fá-los atravessar prismas quebra-os e divide-os em fitas matizadas como o arco-íris. Essas fitas de cor revelam, à observação, linhas transversais brilhantes e escuras que variam com o calor e com a composição química da fonte de luz e de quaisquer vapores que perpassem entre ela e o aparelho. E assim podem os homens, hoje, nos seus observatórios, analisar a composição e tirar a temperatura de estrelas que distam de nós incalculáveis biliões de quilómetros.
A cortina que escondia os impenetráveis abismos das distâncias estelares foi encerrada nos três últimos séculos. Ainda mais recente, porém, é o nosso conhecimento da imensa duração
em tempo, do universo. Entre os povos antigos, só os filósofos indianos, ao que parece, tiveram a intuição das vastas idades da terra e da vida. No mundo europeu, até há pouco mais de um século e meio, as ideias dos homens a respeito do período de duração das coisas eram de que o universo datava de ontem.
Na História Universal publicada por um sindicato de editores de Londres, em 1779, afirmava-se que o mundo tinha sido criado no ano de4004 a. C., e (com amável exactidão) no equinócio do Outono, segundo tal obra coroada pela formação do homem no Éden, à margem do rio Eufrates, exactamente a dois dias de viagem acima do Basra. O crédito dado a tais assertos provinha da interpretação literal da narrativa bíblica. São poucos hoje, mesmo entre os mais sinceros crentes na inspiração bíblica, aqueles que aceitam tais afirmações como positivas.
Foram a geologia e, especialmente, a paleontologia que romperam com essa barreira de tempo e rasgaram, para além do pequeno ontem de menos de seis mil anos, vários milhões desses ontens. Duas series de factos, frequentemente observados, vinham com efeito chamando, desde antes do século XVIII, a atenção dos homens. As rochas apresentam, habitualmente, grandes espessuras sedimentares que só poderiam ter sido acumuladas em longos períodos de tempo. Em muitos casos, essas estratificações mostram-se dobradas, contorcidas e violentadas de modo a sugerir, inevitavelmente, a actuação de enormes forças que tivessem operado em prolongados períodos de tempo. Além dessas estratificações, obrigava os homens a reflectir sobre a antiguidade do mundo a existência de fósseis similares, mas não precisamente iguais, aos ossos e crânios e outras partes resistentes das espécies actuais.
No século XVIII, esses estratos e fósseis começaram a ser estudados sistematicamente, generalizando-se, no século XIX, o reconhecimento da importância daquelas acumulações para se aferir a antiguidade da terra. Foi grande a polémica para estabelecer a autoridade da História das Rochas contra os preconceitos daqueles para quem a interpretação literal da bíblia era preciosa e imprescindível. Muitos homens conhecidos na época, tomaram parte nessa grande emancipação do espírito humano.
Gradualmente, as perspectivas da humanidade transformaram-se e alargaram-se. Duzentos ou trezentos anos atrás, a imaginação da espécie tinha um cenário de seis mil anos. Agora que a cortina se levantou, os homens contemplam um passado de centenas de milhões de anos.
Fonte:
WELLES H. G; História Universal 1º volume; pags. 15, 30, 109
EDIÇÃO LIVROS DO BRASIL
Coimbra, Julho de 2011
Carminda Neves
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