sexta-feira, 22 de julho de 2011

AS PRIMEIRAS COISAS VIVAS


rochas em Portugal
      Não se sabe com segurança como começou a vida na terra.

     Os biólogos têm feito toda a casta de suposições. Parece, contudo, haver acordo geral quanto à hipótese de que a vida começou em água tépida e soalheira, possivelmente nos charcos e lagunas espalhadas ao longo das costas dos primeiros mares. A princípio, talvez, algo de informe como uma gelatina, um lodo ou alguma espécie de sub-vida que, lenta e imperceptivelmente, evoluiu até assumir as qualidades específicas da vida. Sobre nenhuma parte da terra se encontram presentemente as condições especiais, físicas e químicas, dentro das quais a vida pode, concebívelmente, haver surgido. Não se verifica presentemente nenhum novo começo de vida. Mas, com matéria inorgânica, pode obter-se algo como limos e camadas gelatinosas que parodiam, pálidamente, a estrutura e mesmo o desenvolver-se, o crescer das coisas vivas.
    Como o começo da vida foi, porém, um processo natural, algum dia provavelmente, será possível ao homem de ciência imitar e repetir o processo, Até que isto se consiga, o problema permanecerá, necessariamente, um problema especulativo.
    A atmosfera era extremamente densa nos dias do começo da vida: grandes massas de nuvens obscureciam continuamente o sol, tempestades frequentes enegreciam os céus. A Terra desses tempos, sacudida por violentas forças vulcânicas, era uma terra estéril, sem vegetação e sem solo. Varriam-na aguaceiros quase incessantes, ribeirões e torrentes arrastavam grandes cargas de sedimentos e areia para os  mares, onde se transformavam em lama, que endurecia depois em argilas, rochas e pedras arenosas.
    Os geólogos têm estudado a acumulação desses sedimentos, conforme se acham hoje, desde os mais primitivos até aos mais recentes.
    Encontram-se essas primeiras rochas sedimentares aflorando ainda, aqui e ali, à superfície da terra, seja por não terem sido recobertas por estratos superiores, seja por terem ficado novamente desnudadas, depois de sepultadas por tempos imemoriais, graças à erosão das rochas que as revestiam. Há, especialmente no Canadá, grandes superfícies dessas rochas à mostra. E apresentam-se sempre partidas e dobradas, parcialmente refundidas, recristalizadas, endurecidas e comprimidas, porem reconhecíveis ainda.

Período Paleozóico Primitivo
 Tais rochas, porque não contêm traços de vida, chamam-se azóicas (sem vida).
   Como porém, se encontram nessas primitivas rochas sedimentares uma substância chamada grafite (chumbo negro) e também um óxido de ferro vermelho e preto, para cuja constituição se afirma ser necessária a actividade de seres vivos, o que pode ser ou não o caso, alguns geólogos preferem chamar-lhes arqueozóicas (com vida primária). Admitem que a vida a princípio tomou a forma de simples matéria viscosa viva, em organismos revestidos de revestimento duro, ou esqueleto, ou qualquer estrutura capaz de se transformar em fóssil.Sobrepondo-se e cobrindo essas rochas azóicas, acham-se outras, também muito antigas e gastas, mas que contêm traços de vida. Esta segunda série de rochas, chamadas proterozóicas(do começo da vida), marca uma longa idade da História do Mundo.
     Revestindo as rochas proterozóicas, uma terceira série de rochas, nas quais é considerável o número e variedade de traços de coisas vivas: mariscos, caranguejos, vermes, ervas marinhas, peixes, e por fim, os primeiros vestígios de plantas e animais terrestres. Estas rochas chamam-se rochas paleozóicas (vida antiga). Registam uma extensa era, durante a qual a vida se foi, vagarosamente, espalhando, aumentando e desenvolvendo nos mares do nosso mundo.

Primeiros amfíbios paleozóicos
      Entre a formação dessas rochas da primeira parte do período paleozóico, em que a vida se resumia a pequenas coisas vivas (caranguejos, escorpiões etc) e o nosso tempo, decorreram inumeráveis idades, representadas por camadas e camadas de rochas sedimentares. São, primeiro, as rochas do último período paleozóico e, acima destas, duas grandes divisões novas. Imediatamente acima das paleozóicas vêm as rochas mesozóicas (vida média), um segundo grande sistema de rochas portadoras de fósseis, representando talvez vários milhões de anos e contendo grande riqueza de fósseis, ossos e répteis gigantes e coisas similares; e, acima destas, as rochas cenozóicas (vida recente), um terceiro grande tomo na História da vida, ainda não terminado, cuja última folha se completará quando a areia e lama conduzidas ontem para o mar pelos rios da terra tenham enterrado os ossos, barbatanas, corpos e cascos que se hão-de transformar nos fósseis das coisas de hoje.
      As marcas, os fósseis e as próprias rochas constituem os primeiros documentos históricos.
      A História da vida que o homem tem conseguido decifrar, por intermédio desses documentos é a História das Rochas.
     Mas quando chamamos às rochas e aos fósseis um registo histórico, não se deve supor que haja neles algo que lembre a conservação ordenada de um registo. A verdade é que tudo o que acontece deixa qualquer vestígio, contanto que sejamos suficientemente inteligentes para lhe descobrirmos o significado.

Herbert George Wells 1943
      As rochas não estão em camadas ordenadas convenientemente, umas sobre as outras, para a leitura humana. Não são como as páginas e os livros de uma biblioteca. Estão laceradas, rotas, interrompidas, estraçalhadas, desfiguradas, como um escritório descuidadamente arranjado depois de ter experimentado sucessivamente um bombardeamento, uma ocupação hostil, um saque, um terramoto, motins e incêndio. Por gerações sem conta, essa História permaneceu insuspeita sob os pés dos homens, Já os gregos jónicos, no séculoVI a. C., conheciam os fósseis. Em Alexandria, no século III a. C., discutinam-nos Eratóstenes e outros, discussão que se encontra resumida na geografia de Estrabão ( ?20-10.a.C.,). O poeta latino Ovídio  não lhes compreendeu a natureza. Julgou serem os primeiros esforços imperfeitos do poder criador. Autores árabes do século X registaram a sua existência. Leonardo da Vinci que viveu recentemente, isto é, nos princípios do século XVI (1452-1519), foi um dos primeiros europeus a penetrar no significado real dos fósseis. Mas, só nos últimos cento e cinquenta a duzentos anos é que o homem começou a laboriosa e sistemática tarefa de decifrar essas primeiras páginas esquecidas da História do seu mundo.

 Fonte: WELLS H.G.
          "The outline of History: Being a Plain History of Life and Mankind
            1º volume; págs: (20-36) Edição livros do Brasil, Lisboa
                    
 Coimbra, julho de 2011
                       Carminda neves

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