Sócrates afirma constantemente não saber. Mas esta afirmação
está longe de ser um acto de modéstia, mesmo que o possa parecer aos mais
desprevenidos. Ele quer de facto dizer que em seu redor não há nada que lhe
permita saber; nem leis, nem hábitos sociais, nem crenças religiosas,
nem princípios morais, nem doutrinas de filósofos. Isto porque o «saber»
é conhecimento sólido, não deteriorável, irrefutável – «o saber» é portanto a
verdade – e, inversamente, todos esses conhecimentos e regras, uma dez
examinados, se revelam ou gratuitos (isto é, afirmados ou praticados sem que se
saiba verdadeiramente porque são afirmados ou praticados).
SÓCRATES |
Para Sócrates, declarar não saber significa pois que nenhuma
das convicções humanas de que tem conhecimento se apresenta como verdade
– nem sequer aquelas que explicitamente pretendem ter a validade de verdades
filosóficas perante as simples opiniões. Neste sentido a crítica de Sócrates à
sociedade é ainda mais radical. A condenação de Sócrates pela sociedade
ateniense é a reacção natural e de defesa de uma sociedade que se sente ameaçada
do modo mais perigoso.
Não sei. Ou melhor «sei que nada sei». A diferença que
Sócrates coloca entre si e os outros é precisamente esta: que os outros não
sabem que não sabem, enquanto ele sabe que não sabe. Isto é, sabe que a
sociedade e a cultura em que vive não correspondem à ideia da verdade que os
primeiros pensadores haviam revelado. Mas ele tem presente a ideia dessa
verdade.
É uma verdade pobre – que consiste exactamente no simples
facto de se saber que não se sabe – mas é uma verdade que se dispõe a se tornar
rica, no sentido em que é o lançar-se à procura desse verdadeiro saber que
agora se sabe não possuir. O oráculo havia dito que Sócrates era o mais sábio
dos Gregos e Sócrates está convencido de que esta sua maior sabedoria consiste
precisamente no facto de saber que não sabe. Tal significa que a consciência de
não saber é entendida por Sócrates como posse da verdade (o ser o mais sábio de
entre os Gregos ao exprimir precisamente esta posse), posse que é, de resto, a
condição da procura de um saber que não seja o simples (mas inevitável) saber
que não se sabe.
FONTE: A FILOSOFIA ANTIGA; Emanuel Severino. Edições 70 1984
COIMBRA, JULHO DE 2017
Carminda Neves
Sem comentários:
Enviar um comentário