domingo, 16 de julho de 2017

SÓ SEI QUE NADA SEI


Sócrates afirma constantemente não saber. Mas esta afirmação está longe de ser um acto de modéstia, mesmo que o possa parecer aos mais desprevenidos. Ele quer de facto dizer que em seu redor não há nada que lhe permita saber; nem leis, nem hábitos sociais, nem crenças religiosas, nem princípios morais, nem doutrinas de filósofos. Isto porque o «saber» é conhecimento sólido, não deteriorável, irrefutável – «o saber» é portanto a verdade – e, inversamente, todos esses conhecimentos e regras, uma dez examinados, se revelam ou gratuitos (isto é, afirmados ou praticados sem que se saiba verdadeiramente porque são afirmados ou praticados).


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SÓCRATES

Para Sócrates, declarar não saber significa pois que nenhuma das convicções humanas de que tem conhecimento se apresenta como verdade – nem sequer aquelas que explicitamente pretendem ter a validade de verdades filosóficas perante as simples opiniões. Neste sentido a crítica de Sócrates à sociedade é ainda mais radical. A condenação de Sócrates pela sociedade ateniense é a reacção natural e de defesa de uma sociedade que se sente ameaçada do modo mais perigoso.
Não sei. Ou melhor «sei que nada sei». A diferença que Sócrates coloca entre si e os outros é precisamente esta: que os outros não sabem que não sabem, enquanto ele sabe que não sabe. Isto é, sabe que a sociedade e a cultura em que vive não correspondem à ideia da verdade que os primeiros pensadores haviam revelado. Mas ele tem presente a ideia dessa verdade.
É uma verdade pobre – que consiste exactamente no simples facto de se saber que não se sabe – mas é uma verdade que se dispõe a se tornar rica, no sentido em que é o lançar-se à procura desse verdadeiro saber que agora se sabe não possuir. O oráculo havia dito que Sócrates era o mais sábio dos Gregos e Sócrates está convencido de que esta sua maior sabedoria consiste precisamente no facto de saber que não sabe. Tal significa que a consciência de não saber é entendida por Sócrates como posse da verdade (o ser o mais sábio de entre os Gregos ao exprimir precisamente esta posse), posse que é, de resto, a condição da procura de um saber que não seja o simples (mas inevitável) saber que não se sabe.

FONTE: A FILOSOFIA ANTIGA; Emanuel Severino. Edições 70 1984
COIMBRA, JULHO DE 2017

Carminda Neves

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