quarta-feira, 25 de junho de 2014

LENDA DA PRINCESA PERALTA


Em tempo que a História não conta, reinava na cidade de Colimbriga ou Conimbriga, perto de vila de Condeixa um rei chamado Arunce, os seus domínios eram vastos, ultrapassavam o castelo de Arunce (hoje Lousã). Tinha Arunce uma filha muito bela chamada Peralta. Vários cavaleiros de casa de Arunce interessavam-se pela princesa, mas esta olhava das torres do seu castelo o campo vasto de belos horizontes e ficava a cismar. Ela via e revia a figura esbelta de um cavaleiro alto, de peito largo, atlético, olhos brilhantes, olhar franco, voz profunda e meiga. Suspirava a princesa. Tudo isso, afinal, não passava de um sonho.
   Ora, certa vez em que a princesa na sua doce meditação, viu chegar, inesperadamente, um exército inimigo. A jovem ficou estática. Os guerreiros aproximavam-se com rapidez. O alarme foi dado pelos vigias.
    Procuraram a princesa. Ela continuava imóvel, olhando o comandante inimigo que se destacava à frente das suas tropas. Era um cavaleiro jovem, belo, decidido. O rei gritou-lhe:
     Minha filha! O inimigo desembarcou de numerosas naus ancoradas no porto e correu para aqui, onde nos está cercando!
     A princesa tinha o semblante triste, a voz dolorida.
    Nunca odiei tanto a guerra como neste momento!
  O rei tornou:
  Coragem! Eles começaram a atacar e já temos feridos e mortos.
Ela apenas respondeu com um suspiro. O rei irritou-se.
  Que serenidade a vossa minha filha! Quero acreditar que estais inconsciente! Padeceis de um mal que vos põe abstrata. Mal de que as vossas aias falam e de que a corte começou já a murmurar. Porém, este momento é grave. Eu sou o rei e vosso pai! Tendes de ouvir-me. O castelo que mandei construir na floresta (Lousã) e achastes medonho vai agora servir-nos!
  Sempre serena, a princesa ripostou:
   Ficaremos enterrados vivos! O castelo, situado num local distante da serra, é como se fosse uma ilha!
  Mas difícil de ser descoberto, e mais difícil ainda de ser conquistado.
   Pensais então que poderemos sair daqui?
   Tentaremos! Preparai as vossas coisas mais necessárias ou valiosas.
Logo que a noite chegue sairemos pela porta secreta. O vosso cavalo branco esperar-vos-á no átrio norte.
Nos seus aposentos, com as suas aias, a princesa esperava que viesse a ordem de partida. Falava baixo, compassadamente, sem medo.
 Nesse momento um homem estranho surgiu na entrada dos aposentos, avançou em direção à princesa.
   Senhor, que ousadia a vossa!
Ele teve um leve sorriso e declarou:
    Dizei às vossas damas, que venho como libertador e não como inimigo!
Vós o dizeis… Contudo, bem vos vi à frente do exército que invade os nossos domínios!
Serenamente, o cavaleiro replicou:
   Por comandar um dos troços desse exército pude chegar até aqui.
Também vos divisei numa janela da torre. E a curiosidade de vos ver de perto levou-me a cometer esta leviandade. Estou neste momento em perigo de vida!
  Como chegastes a este recanto do castelo?
Pondo fora de combate quantos, encontrei pelo caminho.
   Pois sabei que espero, o rei meu pai. Ele poderá entrar de um momento para o outro. Se o fizer. Um dos dois morrerá. E não desejo que seja ele!
  Juro-vos que a vosso pai nada acontecerá se isso depender de mim!
  Que quereis então?
  Avisar-vos que, antes do nascer do sol, o castelo será nosso. E não sei o que poderão fazer os outros chefes!
  Achais que isso está para breve?
  Dentro de meia hora faremos a ultima avançada. Tendes pois, de fugir!
  Calculastes, cavaleiro, que tentaríamos fugir e acertastes. Quereis, acaso, impedir a nossa viagem, mascarando-vos de protetor?
   Pela minha espada vos juro que vos quero salvar!
   E porquê, cavaleiro?
   Senhora, já perguntastes à rosa porque tem perfume? Quando vos vir a salvo e se ainda for essa a vossa vontade, vos direi porque arrisquei a vida para vos salvar!
   Juro-vos que pagarei com a vida este meu ato! Deixar-me-ei matar por vosso pai ou por algum dos vossos. Ficará assim atenuada a falta que cometo para com os meus homens.
    A vossa atitude é tão estranha…
    O dia virá em que podereis compreender-me.
    Como vos chamais?
    Laurus.
A princesa olhou-o profundamente e declarou:
    Laurus, não vos esquecerei. Confio em vós.
Quando o rei Arunce entrou e se viu em face de um desconhecido embrulhado num manto, ficou estupefacto. A princesa explicou-lhe a situação. O rei mostrou-se altivo:
    Retirai-vos! A vossa companhia não nos agrada!
Laurus respondeu com certa ironia:
   Se não vos avisasse, saberíeis que esta fuga era impossível
  O rei voltou a gritar:
    Retirai-vos já, ou tomar-vos-ei como inimigo que sois!
Sem dar tempo a qualquer luta, aprincesa interpôs-se entre eles.
    Meu pai basta de luta! Partamos, pois já oiço vozes bem perto!
   Laurus explicou:
   Foi dada a ordem de atacar. Não tardam aí os meus homens. Fujam! Eu os deterei!
  Todavia, o rei Arunce ordenou aos seus guardas. Isolem este homem enquanto nos retiramos! Não confio no inimigo.
  Envergonhada a princesa censurou:
  Meu pai, devemos-lhe a vida! Sei que não mente!
Mas o rei, ordenou:
   Vamos o tempo urge!
  A marcha foi penosa. A princesa voltara ao seu alheamento costumado.
  Passaram a ribeira. As suas vidas estavam a salvo, pelo menos nos dias mais próximos. Declarou o rei:
  Neste castelo isolado encontraremos abrigo seguro enquanto não arranjarmos reforços. A esta ribeira darei o meu nome. À terra que circunda este castelo darei o nome da minha filha Peralta.
   Dissestes à vossa guarda que viesse aqui procurar-nos?
   Disse.
   Tardam!

Pouco mais de um dia tinha passado quando uma das aias disse à princesa:
  Chegou a guarda real!
  Só?
  Sim. Senhora.
  Há feridos?
  Um apenas, e ligeiramente.
  O castelo que deixámos?
  Foi ocupado pelo inimigo.
  E o cavaleiro que nos salvou?
  Desse nada sei, Senhora!
   Pois ide dizer a meu pai que desejo falar-lhe. Mal avistou o rei, perguntou:
  Senhor, que novas nos dais do cavaleiro que nos ajudou na retirada?
  Acabo de saber pelos meus guardas que se deixou matar por nós. Dir-se-ia que não sabia combater!
  A princesa fez-se pálida. As lágrimas rolaram dos seus olhos. Cambaleou.
Aflito Arunce, perguntou:
    Filha! Porque vos desgostais tanto? Mal o conhecemos! A princesa murmurou:
   Morreu o meu cavaleiro!
   Entreolharam-se a aia e os dois guardas, sem crer no que ouviram; o chefe inimigo era o cavaleiro da princesa! Atormentado o rei deixou a filha chorar. Quando ela se levantou para se retirar perguntou com brandura:
   Dizei-me porque chorais assim um desconhecido?
   Achais que um desconhecido seria capaz de dar a vida por nós?
   Pois não era um desconhecido? Quem era então? Donde veio? Como o conhecíeis?
  O olhar da princesa, fitou o infinito e murmurou:
   Desde que me lembro que o via… hora a hora… a caminhar para mim… tal como apareceu, na verdade. Belo, valente! Deu a vida por nós… e eu daria a vida por ele… contudo nunca trocamos uma palavra de amor… nunca! Nos meus devaneios surgia… e fugia depois como fumo! Compreendo agora o significado. Nunca o teria perto de mim… só para mim!
   Filha delirais!
   Achais assim… porque sois incapaz de compreender-me! Laurus foi para vós apenas o inimigo. Para mim… continuará a ser o meu cavaleiro, o meu único amor!
   Não podereis compreender. Mesmo sem nos encontrarmos, há muito que nos pertencíamos! E sabíamos disso… sabíamos!... Por esse motivo, agora que ele morreu para o mundo, quero fazer-vos um pedido.
   É vosso desejo dar a esta ribeira o nome de Arunce em homenagem ao rei que habita este castelo. Pois peço-vos, Senhor, que se dê a esta terra, não o meu nome, mas o daquele que tornou possível a nossa estada neste lugar: o nome do meu cavaleiro!
  O rei não cabia em si de espanto.
  Pois quereis que se dê a esta terra…
A princesa não o deixou terminar.
Perdoai Senhor! Desejo que esta terra seja a terra de Laurus.
   Pois seja a terra de Laurus!
   A princesa sorriu pela homenagem prestada ao seu cavaleiro. Depois saiu silenciosa, sem pressa de chegar, como se a vida já não contasse para ela.

Arunce foi contemporâneo de Sertório que tinha a sua corte em Conimbriga. A ribeira que primeiramente tomou o nome de Arunce, chama-se agora Arouce. Com este nome existe, ainda uma povoação. Ou melhor essa povoação chama-se agora foz de Arouce. Pois é lá que desagua no rio Ceira o hoje rio Arouce.
     A História não fala de Laurus mas de um Lausus, que mais tarde deu o nome à vila de Lousana, e do qual também deriva, provavelmente, o nome da bonita vila da Lousã.
   Condeixa tem foral desde o reinado de D. Manuel I a 3 de Junho de 1514.
 Povoação muito antiga, na área da sua freguesia existem as ruínas da célebre cidade romana de Conimbriga. Antigamente Condeixa era porto de mar.


FONTE: Lendas de Portugal; Gentil Marques; volume V 1997
Junho de 2014
Carminda Neves

   

1 comentário:

  1. É uma lenda mas muito bonita.Muito bem feito como a Carminda sabe fazer.adorei ler.










    Bj.
    Filomena




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