sexta-feira, 20 de junho de 2014

LENDA DO FREXO DE ESPADA À CINTA


Conta-se, que em tempos já distantes, nas eternas questiúnculas com seu filho o príncipe D. Afonso, EL- DE Portugal D. Dinis chegou um dia aquelas terras, então ainda praticamente desertas, que hoje fazem parte do distrito de Bragança, quase na raia de Espanha.
    Os correligionários do príncipe D. Afonso tinham cometido tropelias graves e D. Dinis viu-se obrigado a correr o Norte do reino, com os seus melhores cavaleiros, para castigar prevaricadores e salvar os inocentes.
   Por mais de uma vez a sua própria espada teve de salpicar-se de sangue e o rei de Portugal, gritava furioso e agastado:
    Filho indigno que não sabe respeitar o seu pai que tanto o ama!... Que deseja ele mais? Não lhe tenho dado honrarias e poderes? Umas vezes, por minha espontânea vontade… outras vezes, a pedido da Rainha? Ingrato D. Afonso antes eu não fosse vosso pai, e D. Diniz rematava febrilmente:
      Lá porque amo também outro filho, D. Afonso Sanches –e esse, sim, é bom e sabe respeitar-me – pensa o ingrato que há-de rebelar o reino contra mim e contra seu irmão.
    Depois, num gesto sem réplica, ordenava:
     Vamos! Acompanhai-me.
   Assim decorria a jornada por terras do Norte, entre rancores perseguições, inquietudes de alma e cansaços do corpo. Por tudo isso, talvez, ao passar junto de um grande freixo, plantado à beira do caminho e derramando em seu redor uma sombra de encantar, el- rei D. Dinis, segundo narra a velha lenda, sentiu-se desejoso de um merecido repouso.
    E não resistiu, a sua voz ergueu-se sobre os que o acompanhavam:
   Ide, cavaleiros… ide e montai mas além o nosso acampamento… Depois irei ao vosso encontro, pois agora quero ficar alguns momentos a descansar à sombra deste magnífico freixo.
Voltou o olhar em seu redor.
  E como é refrescante esta sombra, meu Deus!
   Sempre sorrindo, el-rei de Portugal confidenciava a si mesmo:
 Nunca me apeteceu tanto adormecer um pouco --- Libertar os meus pensamentos de inquietações… Lavar a alma neste sossego que me envolve…
  E assim falando, tal como conta a lenda, D. Dinis desembaraçou-se da sua pesada espada e do cinto que a sustentava, prendendo-o ao próprio tronco do freixo--- Encostou a cabeça ao freixo… e adormeceu.

  Foi então que tudo se passou conforme a lenda revela e tem passado de geração em geração…
   Sonhando el-rei viu de repente a aparição fantasmagórica de um velho de barbas brancas, que tinha à cintura a sua própria espada.
   Surpreendido, desconfiado, inquieto, o rei de Portugal perguntou:
   Mas… quem sois vós, ancião? Que desejais de mim?
Em voz irreal, que mais parecia eco de outra voz distante, o velho respondeu apenas:
    Sou o espírito vivo deste freixo, ao qual tu te encostaste… Aqui estou encantado para sempre, desde que morri… Tu hoje, porém, quebraste o encantamento e por isso aqui me vês…
  Novo espanto nasceu no rosto de D. Dinis:
   Quebrei-vos o encantamento? Mas… como, se nada fiz? Explicai-vos, por favor, bom velho!
Pois é bem fácil de explicar. Sempre que um rei de Portugal pendure a sua espada no meu tronco… eu poderei viver de novo durante alguns momentos!
   Houve um silêncio. Pequeno. Frágil. E el-rei D. Dinis insistiu:
   Mas… afinal quem sois? Ainda não me dissestes o vosso nome…
Sou um velho rei visigodo… Sim, rei como tu, Dinis! E como tu, também fui valente e temido. Conquistei terras e dominei povos… Um dia, porém, adormeci à sombra deste mesmo freixo a que tu te encostaste…E os inimigos surpreenderam-me assim… e mataram-me!
 Perante a reacção de D. Dinis. A voz numa risada disse:
   Mas tu não tenhas medo Dinis! A ti não te farão a mesma coisa… Estamos aqui apenas os dois… E eu vim para te aconselhar…
   Que sabeis vós da minha vida, bom velho rei?
   Sei tudo! Tudo, compreendes? Por exemplo eu sei que lá no teu intimo, tu queres fazer as pazes com teu filho Afonso.
   Descoberto no seu segredo, o rei de Portugal desabafou:
  Sim, mas ele é um ingrato!
Acalma-te! Vou ensinar-te como deves proceder… queres ajudar a tua felicidade.
   Nem sei como agradecer-vos… Não mais esquecerei este encontro!
   Escuta primeiramente um aviso que te quero dar: Tens tratado muito mal tua esposa, a Rainha Isabel!
D. Dinis reagiu:
Ela está sempre ao lado do filho… contra mim!
Enganas-te… Ela é mãe. Mãe verdadeira. Mãe amantíssima. E procede como tal!
Também a defendeis? Também sois contra mim? Porquê? Porque querem todos que eu seja afinal o culpado… se eu procedo conforme a justiça e a razão?
  Sim… em grande parte tu és o culpado de tudo, Dinis! Se desses mais ouvidos à Rainha tua esposa… se mais te guiasse pelos seus conselhos… talvez houvesse mais compreensão e menos guerra…
  Está bem! Passarei a dar mais atenção ao que diz a Rainha… Mas respondei-me velho rei: como hei-de conseguir a paz com meu filho Afonso? O vulto de grandes barbas brancas inclinou-se sobre ele e disse devagarinho:
   Escuta Dinis … escuta porque é segredo…
E conta a lenda que D. Dinis, logo de início, ao ouvir a primeira parte do segredo, ficou estarrecido e entusiasmado:
  Oh, mas é prodigioso o que acabais de dizer! E eu que nunca pensara em tal… Obrigado velho rei do freixo! Vou pôr-me a caminho e fazer tudo quanto dissestes… D. Dinis de tão entusiasmado nem quis ouvir o resto do segredo. Não ligou aquela voz que lhe dizia:
  Espera Dinis! Falta ensinar-te o resto--- senão tudo volta ao mesmo… Espera!

Mas era tarde, D. Dinis acordara! E viu-se de novo sozinho, junto ao grande freixo… O velho desaparecera por completo.
    Numa preocupação salpicada de rugas, D. Dinis olhou lentamente a árvore a cuja sombra se acolhera.
 Meu Deus, é extraordinário como o velho rei visigodo se assemelhava a este freixo… Parecia até o próprio freixo de espada à cinta!
   Desde então, el-rei D. Dinis não se cansou de contar às pessoas intimas o estranho sonho que tivera.
   E aos poucos, de boca em boca, de terra em terra, pelo País fora, foi-se espalhando o caso espantoso do velho rei do freixo de espada à cinta – até que, logicamente pela tradição do povo, esse local ficou a chamar-se para sempre FREIXO DE ESPADA À CINTA

Tudo se passou como na profecia do sonho. D. Dinis conseguiu uma paz pouco duradoira com D. Afonso IV. E isso porque D. Dinis não ouvira o resto dos conselhos do espírito encantado do Freixo de Espada à Cinta. Que não voltou a desencantar-se, porque nenhum outro rei de Portugal voltou a pendurar a sua espada no grande freixo plantado à beira do caminho.

FONTE: LENDAS DE PORTUGAL; Gentil Marques- Circulo de Leitores
Volume I- 1997



   


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