Os correligionários do
príncipe D. Afonso tinham cometido tropelias graves e D. Dinis viu-se obrigado
a correr o Norte do reino, com os seus melhores cavaleiros, para castigar
prevaricadores e salvar os inocentes.
Por mais de uma vez a sua
própria espada teve de salpicar-se de sangue e o rei de Portugal, gritava
furioso e agastado:
Filho indigno que não
sabe respeitar o seu pai que tanto o ama!... Que deseja ele mais? Não lhe tenho
dado honrarias e poderes? Umas vezes, por minha espontânea vontade… outras
vezes, a pedido da Rainha? Ingrato D. Afonso antes eu não fosse vosso pai, e D.
Diniz rematava febrilmente:
Lá porque amo também
outro filho, D. Afonso Sanches –e esse, sim, é bom e sabe respeitar-me – pensa
o ingrato que há-de rebelar o reino contra mim e contra seu irmão.
Depois, num gesto sem
réplica, ordenava:
Vamos! Acompanhai-me.
Assim decorria a jornada
por terras do Norte, entre rancores perseguições, inquietudes de alma e cansaços
do corpo. Por tudo isso, talvez, ao passar junto de um grande freixo, plantado
à beira do caminho e derramando em seu redor uma sombra de encantar, el- rei D.
Dinis, segundo narra a velha lenda, sentiu-se desejoso de um merecido repouso.
E não resistiu, a sua
voz ergueu-se sobre os que o acompanhavam:
Ide, cavaleiros… ide e
montai mas além o nosso acampamento… Depois irei ao vosso encontro, pois agora
quero ficar alguns momentos a descansar à sombra deste magnífico freixo.
Voltou o olhar em seu redor.
E como é refrescante esta sombra, meu Deus!
Sempre sorrindo, el-rei
de Portugal confidenciava a si mesmo:
Nunca me apeteceu tanto
adormecer um pouco --- Libertar os meus pensamentos de inquietações… Lavar a
alma neste sossego que me envolve…
E assim falando, tal como
conta a lenda, D. Dinis desembaraçou-se da sua pesada espada e do cinto que a
sustentava, prendendo-o ao próprio tronco do freixo--- Encostou a cabeça ao
freixo… e adormeceu.
Foi então que tudo se
passou conforme a lenda revela e tem passado de geração em geração…
Sonhando el-rei viu de
repente a aparição fantasmagórica de um velho de barbas brancas, que tinha à
cintura a sua própria espada.
Surpreendido,
desconfiado, inquieto, o rei de Portugal perguntou:
Mas… quem sois vós,
ancião? Que desejais de mim?
Em voz irreal, que mais parecia eco de outra voz distante, o velho
respondeu apenas:
Sou o espírito vivo
deste freixo, ao qual tu te encostaste… Aqui estou encantado para sempre, desde
que morri… Tu hoje, porém, quebraste o encantamento e por isso aqui me vês…
Novo espanto nasceu no
rosto de D. Dinis:
Quebrei-vos o
encantamento? Mas… como, se nada fiz? Explicai-vos, por favor, bom velho!
Pois é bem fácil de explicar. Sempre que um rei de Portugal
pendure a sua espada no meu tronco… eu poderei viver de novo durante alguns
momentos!
Houve um silêncio.
Pequeno. Frágil. E el-rei D. Dinis insistiu:
Mas… afinal quem sois?
Ainda não me dissestes o vosso nome…
Sou um velho rei visigodo… Sim, rei como tu, Dinis! E como tu,
também fui valente e temido. Conquistei terras e dominei povos… Um dia, porém,
adormeci à sombra deste mesmo freixo a que tu te encostaste…E os inimigos surpreenderam-me assim… e mataram-me!
Perante a reacção de D.
Dinis. A voz numa risada disse:
Mas tu não tenhas medo
Dinis! A ti não te farão a mesma coisa… Estamos aqui apenas os dois… E eu vim
para te aconselhar…
Que sabeis vós da minha
vida, bom velho rei?
Sei tudo! Tudo,
compreendes? Por exemplo eu sei que lá no teu intimo, tu queres fazer as pazes
com teu filho Afonso.
Descoberto no seu
segredo, o rei de Portugal desabafou:
Sim, mas ele é um ingrato!
Acalma-te! Vou ensinar-te como deves proceder… queres ajudar a tua
felicidade.
Nem sei como
agradecer-vos… Não mais esquecerei este encontro!
Escuta primeiramente um
aviso que te quero dar: Tens tratado muito mal tua esposa, a Rainha Isabel!
D. Dinis reagiu:
Ela está sempre ao lado do filho… contra mim!
Enganas-te… Ela é mãe. Mãe verdadeira. Mãe amantíssima. E procede
como tal!
Também a defendeis? Também sois contra mim? Porquê? Porque querem
todos que eu seja afinal o culpado… se eu procedo conforme a justiça e a razão?
Sim… em grande parte tu és
o culpado de tudo, Dinis! Se desses mais ouvidos à Rainha tua esposa… se mais
te guiasse pelos seus conselhos… talvez houvesse mais compreensão e menos
guerra…
Está bem! Passarei a dar
mais atenção ao que diz a Rainha… Mas respondei-me velho rei: como hei-de
conseguir a paz com meu filho Afonso? O vulto de grandes barbas brancas
inclinou-se sobre ele e disse devagarinho:
Escuta Dinis … escuta
porque é segredo…
E conta a lenda que D. Dinis, logo de início, ao ouvir a primeira
parte do segredo, ficou estarrecido e entusiasmado:
Oh, mas é prodigioso o que
acabais de dizer! E eu que nunca pensara em tal… Obrigado velho rei do freixo!
Vou pôr-me a caminho e fazer tudo quanto dissestes… D. Dinis de tão
entusiasmado nem quis ouvir o resto do segredo. Não ligou aquela voz que lhe dizia:
Espera Dinis! Falta
ensinar-te o resto--- senão tudo volta ao mesmo… Espera!
Mas era tarde, D. Dinis acordara! E viu-se de novo sozinho, junto
ao grande freixo… O velho desaparecera por completo.
Numa preocupação
salpicada de rugas, D. Dinis olhou lentamente a árvore a cuja sombra se acolhera.
Meu Deus, é extraordinário
como o velho rei visigodo se assemelhava a este freixo… Parecia até o próprio
freixo de espada à cinta!
Desde então, el-rei D.
Dinis não se cansou de contar às pessoas intimas o estranho sonho que
tivera.
E aos poucos, de boca em
boca, de terra em terra, pelo País fora, foi-se espalhando o caso espantoso do
velho rei do freixo de espada à cinta – até que, logicamente pela tradição do
povo, esse local ficou a chamar-se para sempre FREIXO DE ESPADA À CINTA
Tudo se passou como na profecia do sonho. D. Dinis conseguiu uma
paz pouco duradoira com D. Afonso IV. E isso porque D. Dinis não ouvira o resto
dos conselhos do espírito encantado do Freixo de Espada à Cinta. Que não voltou
a desencantar-se, porque nenhum outro rei de Portugal voltou a pendurar a sua
espada no grande freixo plantado à beira do caminho.
FONTE: LENDAS DE PORTUGAL; Gentil Marques- Circulo de Leitores
Volume I- 1997
Gostei! Não conhecia a lenda,obrigada,podes continuar...
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