quinta-feira, 25 de junho de 2015

LENDA DO ALFAGEME DE SANTAREM OU LENDA DO CONDESTÁVEL


A história tradicional do Alfageme de Santarém, que se tem contado de várias maneiras. Foi conservada para a posteridade através da cronica do Condestável, de autor desconhecido, mas referenciada por Fernão Lopes na Crónica de D. Fernando. Deu origem ao bem conhecido drama teatral de Almeida Garrett, apresentado a primeira vez em público no conhecido teatro da Rua dos Condes em 1842.
A que vou descrever, tem além dessas duas fontes, a narrativa de um campino do Ribatejo.
Ele chamava-se Fernão Vaz e era considerado, pelos entendidos como, o melhor Alfageme das redondezas, já seu pai tinha sido um grande artífice. À custa de muito trabalho e de alguns sacrifícios, Fernão Vaz juntara fortuna que lhe dera uma certa independência. E também uma certa soberba. Dizia-se até que fora por via dessa fortuna que se casara com ele a bela Alda Gonçalves, a qual andara em tempos, enamorada de D. Nuno Álvares Pereira.
Ora aconteceu que, certo dia, D. Nuno Álvares Pereira, cavalgando de longe veio parar à porta de Fernão Vaz.
D. Nuno saltou em terra e dirigiu-se ao homem que continuava a trabalhar, indiferente ao que se passava em seu redor.
 Eh, mestre alfageme!... Podeis correger-me esta espada?
O outro suspendeu o trabalho. Olhou e disse:
Senhor por hoje cheguei ao fim do meu trabalho… E bem preciso de descansar…
Olhou de novo e rematou com enfase:
  Mas, como se trata de vós, ordenai. Farei o que desejardes
D. Nuno Ávares Pereira sorriu.
   Obrigado, mestre alfageme… Disseram-me que ninguém possui habilidade igual à vossa…
No silêncio que se fez, olharam-se melhor. D. Nuno reparou então mais atentamente no homem que tinha à sua frente.
 Céus de onde conheço eu o vosso rosto?... Onde vi eu já esses olhos… irónicos e indiscretos?
Fernão Vaz inclinou-se numa vénia.
  Senhor D. Nuno Álvares Pereira…
   Pois… conheceis-me?
   E quem vos não conhece?
Avançou um pouco e disse em tom pousado:
   Vou ajudar a vossa memória, senhor. Eu sou o marido de Alda Gonçalves … agora D. Alda Vaz!
    O quê? Sois vos?... Bem me lembro agora, afinal… Principalmente dos vossos olhos, irónicos e indiscretos…
    Mudando o tom de voz, continuou com aquela segurança de ânimo que lhe dava uma irresistível autoridade:
    Mas aqui vos deixo a espada, Mestre Alfageme… Quando a dareis pronta?
    O outro segurou a arma e mediu-a longamente com o olhar.
    Amanhã de manhã podereis, vir, busca-la, Senhor D. Nuno… não me deitarei sem que deixe corregida e afiada como desejais!
   Obrigado, Mestre… até amanhã!

   Tal com prometera, Fernão Vaz passou a noite trabalhando a espada de D. Nuno Álvares Pereira. Era já manhãzinha quando ele recolheu aos seus aposentos. Apesar de todas as recomendações Alda estava ainda desperta.
   Só agora, Fernão Vaz?
   Ele estacou à porta do quarto ao escutar aquela vos doce mas autoritária.
  Pois não dormistes ainda?... Ficastes toda a noite à minha espera?
 Sim, meu marido… Tive medo! Felizmente, ouvia-vos a trabalhar na oficina…
 Mas afinal que trabalho foi esse que vos ocupou toda a noite?
  Sabeis lá!... Estive a afiar e a correger uma espada… para quem talvez não o devesse fazer…
  Que segredo é esse, meu marido?... De quem se trata?
 Pois escutai, Senhora… Estive a trabalhar para D. Nuno Álvares Pereira!
  Como? D. Nuno esteve aqui?... que vos desejava ele?
   Já vos disse… Estive a correger e a afiar a sua espada.
Um suspiro escapou dos lábios de Alda Vaz.
  Oh meu Deus!
O marido inclinou-se para ela.
  Vedes?... Vedes como ainda gostais dele?... Eu sempre temi este momento!
As mãos dele caíram, num desânimo sincero, ao longo do corpo.
  O vosso coração não me pertence!
Mas logo as mãos dela correram a segurar as mãos do marido, apertando-as, puxando-as para si, aquecendo-as com amor.
  Calai-vos, meu marido!... Não deveis dizer tontices… O meu coração é vosso, desde que casei convosco…
   Mas ficastes impressionadas, confessai!
   Ora, apenas porque receei por vós… às vezes, acreditei, o despeito transtorna os mais sensatos…
   E eu embora confie na nobreza de sentimentos, de D. Nuno, tive medo, muito medo!
   Felizmente que ele veio por bem!
Fernão Vaz endireitou-se, numa postura altiva.
 Eu disse-lhe que era vosso marido!
 E ele?... Que disse ele?
Nada disse, senhora!... Nem sequer perguntou por vós…
Alda Vaz pestanejou.
Já me esqueceu, decerto… como eu também já o esqueci a ele…
Sinto.me feliz, tal como sou!
Como vos adoro, senhora!... Hoje mais que nunca!

   Na manhã seguinte, conforme ficara combinado, D. Nuno Álvares Pereira veio à oficina logo ao romper do sol. O Alfageme já o esperava. Mal o viu, correu para ele.
   Aqui tendes a espada, senhor.
D. Nuno examinou-a atentamente como bom conhecedor. E o seu rosto refletiu alegria e satisfação.
  Belo trabalho, mestre Alfageme… está perfeitíssimo!
  Eh escudeiro, pagai ao mestre o que ele vos pedir!
Perdão, senhor D. Nuno… se mo permitis, eu por ora não quero, de vós, nenhum pago.
  Mas porquê?...  Estais louco, decerto!
  É o que vos digo, senhor… Nada quero receber.
  Ide embora, que em breve voltarei conde de Ourem… e então me pagareis o que eu merecer. Senhor conde!
 Não me chameis conde, porque eu não o sou, mestre Alfageme…
   Deixai que vos pague tudo o que quiserdes…
   Não é preciso, senhor… Eu só vos disse a verdade… E assim será cedo, se Deus quiser!
E Deus quis que se cumprisse a profecia do Alfageme de Santarém. Mercê dos seus feitos de valentia e heroísmo, perante o inimigo, em número muito superior venceu-o sem remissão.
Perante este feito el-rei D. João I agraciou-o com o título de conde de Ourém.

    Entretanto em redor da vida de Fernão Vaz, tinham-se amontoado muitas nuvens de tormenta. Os seus inimigos arrastados pelo despeito e pela maldade, resolveram acusá-lo publicamente de traidor da Pátria.
   Fernão Vaz sentiu-se desamparado. Os fregueses desapareceram, apavorados. E ele acabou por ser preso, vergado às infames acusações que lhe faziam.
   Triste e desesperada, D. Alda chorou a sua dor. A sua dor e o seu protesto.
  É falso! É mentira! Meu marido está inocente, mil vezes inocente! São os outros que nos querem mal, por nos verem ricos e felizes…
   Mas de nada valiam as palavras e as lágrimas de D. Alda Vaz. O Alfageme de santarém continuou preso e os seus bens totalmente confiscados. Vinha próxima a hora da morte!

  Como ultimo recurso, a jovem esposa decidiu procurar pessoalmente D. Nuno Álvares Pereira, o novo conde de Ourém.
  Ele não a fez esperar. Mas quedou-se boquiaberto quando a viu surgir na sua frente.
   Senhora! Vós aqui… e nesse estado? Por Deus!... Porque chorais, senhora?... que vos aconteceu?
  Senhor D. Nuno, sabei que prenderam meu marido… imaginai, senhor! Acusam-no de traidor!
   Sim, acusam-no de traidor… mas ele está inocente!... Absolutamente inocente!
   Senhor… ainda acredita em mim?
   Ainda credito em vós, sim!...
   Houve tempo em que talvez não acreditasse… Foi muito forte a desilusão de amor que me fizestes sofrer…
  Senhor… por tudo vos peço que esqueçais esses tempos!...
  Ele amparou-a docemente, obrigando-a a sentar-se. Depois sentou-se também diante dela e falou calmamente.
Bem sei, D. Alda Vaz… Tendes medo que o despeito me domine o coração, não é verdade?...
Descansai!... Eu não posso nem devo olvidar que a profecia de vosso marido saiu certa!... Hoje sou conde de Ourém, tal como ele me disse certo dia, em que não sonhava sequer com esse título…
Tem graça D. Alda Vaz… Lembro-me agora que vosso marido me disse também, nessa altura, que depois de eu ser conde de Ourém lhe pagaria o trabalho conforme ele merecesse…
 Pois muito bem: vou pagar-lhe!
  Senhor! Que ides fazer?... Matá-lo?
Sorrindo, ele respondeu apenas:
   Não. Vou salvá-lo!
  Foi fácil a D. Nuno conseguir o seu intento. Tendo narrado tudo a D. João I, depressa ele conseguiu o perdão real para Fernão Vaz. E montado no seu corcel mais ligeiro, partiu velozmente, chegando bem a tempo de salvar o Alfageme de Santarém da forca, que mal podia acreditar em tamanha felicidade.
D. Nuno, juntou o Alfageme a sua esposa, num abraço de amor dizendo:
   Assim se cumpriu a vossa profecia, mestre Alfageme!
   É verdade senhor… já sois conde e afinal pagastes muito melhor do que eu esperava!...
 Sabeis que mais, mestre Alfageme?... Quero armar-vos cavaleiro, para compensar as injustiças que vos foram feitas!
  Não, senhor D. Nuno, não posso aceitar tal honra. Eu sou filho de Alfageme, de um Alfageme que sempre colocou o seu carater acima de todas as coisas da vida… por isso D. Nuno serei Alfageme com meu pai. Honrado.
  Aprovo as vossas palavras, embora elas contrariem um desejo que me seria muito grato. Já que mais nada posso fazer, desejo-vos muitas felicidades para vós e para vossa esposa.
  O mesmo sorriso de sempre abriu-se no rosto de Fernão Vaz.
   Obrigado, senhor… Eu bem sabia que podíamos confiar em vós!
Do alto da sua montada, D. Nuno ergueu o bração num gesto de saudação.
Ide, amigos!... Ide, e que Deus vos proteja!
Com um último adeus, mas sem dizer mais palavra, o Alfageme e sua mulher seguiram de abalada, a caminho de Santarém.
 D. Nuno ficou afagando a sua espada de combate, que seria daí em diante a sua companheira e a sua dama!

FONTE: LENDAS DE PORTUGAL: Gentil Marques.
               Círculo de Leitores, VOL 2, 1997





   




Coimbra, junho de 2015
Carminda neves



sexta-feira, 19 de junho de 2015

ALMEIDA GARRET


De seu nome completo João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett,
Nasceu na cidade do Porto no ano de 1799 (e não no ano de 1802 como ele próprio diz na sua autobiografia) publicada no «Universo Pitoresco»
Almeida Garrett participou na revolução liberal de 1820, de seguida foi para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vila-Francada. Antes casou-se com uma muito jovem senhorita Luísa Midosi, que tinha apenas 14 anos. Foi em Inglaterra que tomou contacto com o movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se refletiriam na sua obra posterior.
ALMEIDA GARRETT
Regressa a Portugal.
  Passos Manuel, presidente do governo saído da revolução, considerava-o um dos homens políticos da sua maior confiança. E assim deu-lhe o ensejo de criar obras verdadeiramente extraordinárias no seu tempo: o Conservatório de Arte Dramática, a Inspeção Geral dos Teatros, o Panteão Nacional e a construção no Rossio de Lisboa, no lugar dos antigos paços da inquisição, do Teatro Normal, hoje Teatro Nacional de D. Maria II, que em sua memória se chama justamente por Casa de Garrett.
  Mas como afirma um dos seus biógrafos: «Ao Teatro não bastava o edifício nem a Inspeção. Eram-lhe sobretudo necessárias peças para representar». Por isso Almeida Garrett não hesitou e pôs a sua pena e o seu talento ao serviço do teatro.
  Foi então que, depois de um êxito com «Um Auto de Gil Vicente». Representado no Teatro da Rua dos Condes em 1838, e do entusiasmo popular suscitado pela apresentação em público dos dramas «Amor e Pátria» e «Dona Filipa de Vilhena». Almeida Garrett estreou, em plena atmosfera de euforia teatral, e também no teatro da Rua dos Condes, «O Alfageme de Santarém ou A Espada do Condestável» (era uso e costume, nessa época, as peças terem simultaneamente dois títulos.
  A representação desta peça, onde Garrett pintou simbolicamente a democracia bem à sua maneira aristocrática, teve larga influência na carreira do grande político e homem de letras.
  Obstáculos de toda a natureza se ergueram contra a peça, dificultando a continuação das suas representações. E o próprio Governo acabou por demitir Almeida Garrett dos seus cargos de diretor do Conservatório, inspetor- geral de Tratos e diretor da Escola de Declamação. Isso (e uma queda que o reteve no leito quase dois meses) proporcionou, afinal, que Almeida Garrett pudesse escrever a sua obra-prima «Frei Luís de Sousa»
  Faleceu a 9 de dezembro de 1854, vítima de um cancro de origem hepática, na sua casa situada na atual Rua Saraiva de Carvalho, em Campo de Ourique, Lisboa. Foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, tendo sido trasladado a 3 de Maio de 1903 para o Mosteiro dos Jerónimos. Os seus restos mortais foram posteriormente trasladados para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia aquando do término deste edifício. A cerimónia ocorreu em homenagem a si e a mais outras ilustres figuras portuguesas, entre os dias 1 e 5 de dezembro de 1966.

FONTE: GENTIL MARQUES; Lendas de Portugal:
         Círculo de Leitores, VOL. 2
   VER MAIS EM:

Coimbra, junho de 2015
    Carminda Neves




quinta-feira, 11 de junho de 2015

LENDA DO MILAGRE DE OURIQUE

Muito se tem falado, discutido e escrito sobre o milagre de Ourique (O que realmente aconteceu em Ourique ninguém sabe) porem, a nós, interessa-nos apenas o aspeto lendário da história – aquele meio-termo que fica entre a realidade e o sonho, entre o natural e o sobrenatural, entre a banalidade das coisas correntes e a poesia das coisas raras por essa razão, voltando as costas às polémicas acesas em torno do caso, vamos contar apenas a lenda – sem dúvida uma das mais belas do Portugal.
      A batalha de Ourique tem sido considerada por muitos «a pedra angular da monarquia portuguesa». Diz.se que foi ai que pela primeira vez os nobres aclamaram Afonso Henriques rei de Portugal (até à batalha de Ourique Afonso Henriques usava o titulo de infante ou príncipe de Portugal. Só depois desta batalha e os seus homens extasiados com a vitória lhe deram o titulo de rei. Afonso Henriques aproveitou o facto para recorrer ao Papa para que este lhe fosse confirmado. Como este não lho concedeu no tempo e prazo que ele previra, pediu aos seus barões para o proclamarem rei, tal como os seus homens de armas lhe tinham chamado em campo de Ourique)

  Fins de julho de 1130. Afonso Henriques, já com a retaguarda coberta por castelos e cidades cristãs, já na posse de Leiria, de Ourem, Penela, Almourol, Zêzere e cera – que depois adotou o nome de Tomar – julgou-se apto a poder aventurar-se pelo território dos Mouros, levando as suas armas pelo Alentejo. Reuniu os seus homens e lançou-se ao caminho.
    A notícia desta agressão do Infante D. Afonso fez tremer Ismael ou Ismar que então governava esta parte da Península. Os exércitos marchavam um contra o outro. Mas por alturas do Campo de Ourique fez-se alto de ambos os lados. Neste intervalo de tempo, o Camareiro do Infante entrou na tenda do seu Senhor que parecia dormitar, tendo sobre os joelhos um velho testamento.
    Senhor… perdoe se vos acordo…
D. Afonso Henriques nem pestanejou. Aflito que estava, com o rumor dos homens, lá fora, pois começavam a recear a multidão enorme de mouros que estava em frente e à vista, João Fernandes tocou no ombro do vencedor da batalha de S. Mamede.
    Acordai, Senhor!
 O velho testamento caiu no chão. D. Afonso Henriques olhou o seu camareiro como se o tivesse visto pela primeira vez:
   Que me quereis? Estava a dormir… e a sonhar…
   Perdoai-me se vos interrompi… Mas está lá fora um homem velho que vos quer falar.
   Donde vem?
   Vem daqui perto e insiste em ser recebido por vós.
   Se é cristão, pode entrar.
   Está aqui, meu Senhor.
E voltando-se para o velho, João Fernandes indicou com a mão direita a entrada da tenda.
   Por aqui. E não vos demoreis.
 O velho entrou, olhando firmemente Afonso Henriques. Este porem, deu quase um salto no escabelo onde estava sentado.
    Senhor! Acabo de vos verem sonhos! Que me quereis?
    Dizer-vos senhor, que deveis ter bom coração, porque vencereis e não sereis vencido. Sois amado do Senhor, porque sem dúvida Ele pôs sobre vós e sobre a vossa geração os olhos da sua Misericórdia, até à décima sexta descendência, na qual se diminuirá a sucessão. Mas nela, assim diminuída, ele tornará o pôr os olhos e verá! Ele me mandou dizer-vos que na noite que se seguirá a esta, se ouvirdes a minha sineta da ermida, na qual vivo há sessenta e seis anos, guardado no meio dos infiéis por alto favor de Deus – pois como ia dizendo, se ouvirdes a sineta, deveis sair do arraial, sozinho.
   D. Afonso arriscou:
     Devo sair de noite, sem companhia?
     Sim, saireis sozinho, porque ele vos quer mostrar a Sua grande Piedade.
  Senhor se sois um embaixador de Deus, eu vos venero e sabei que que tudo farei para ser digno de tão grande mercê!
  Sem mais palavras, o velho saiu da tenda. D. Afonso veio atrás dele. Em breve o perdia de vista.
  Aproximou-se João Fernandes. Afonso Henriques perguntou-lhe:
  Que dizem os nossos homens?
  Acham uma temeridade o que ides fazer, Senhor! Os sarracenos têm aqui cinco Reis e cinco exércitos para nos combaterem!
    Reúne-os! Quero falar-lhes.
   Era quase noite quando D. Afonso Henriques se dirigiu aos seus homens:
  Companheiros! Nem paz, nem tréguas, nem fuga se nos consente!
É infalível o pelejar aqui. Cinco exércitos nos cercam. Nós não poderemos ter mais ajudas, senão a que nos vier de Deus. Mas nele confio.
   Os homens entreolharam-se sem saber o que dizer. Acreditavam no seu chefe e acreditavam na causa que os trouxera ali.
   O dia seguinte correu sereno. A noite chegou. Nem cá nem no arraial fronteiro havia movimento de tropas. Observava-se um silêncio enervante. De repente, esse silêncio foi cortado pelo som dorido de um sino que tangia ao longe. D. Afonso Henriques curvado, numa oração muda, ergueu-se e dirigiu-se lentamente para fora do arraial. A mão na espada, o olhar vivo e atento, caminhou sozinho. Já fora das vistas dos seus homens e em plena escuridão, o jovem chefe guerreiro deu conta de um raio resplandecente que surgia do seu lado direito. D. Afonso estacou. Mas o raio de luz foi alargando, alargando iluminando tudo em redor. De súbito D. Afonso Henriques distinguiu o Sinal da Cruz mais resplandecente que o sol e Jesus Cristo crucificado nela. De um lado e de outro, anjos vestidos de branco, de um branco que resplandecia também!
  O coração de D. Afonso Henriques bateu forte. Atirou para o chão a espada e o escudo. Descalçou-se em sinal de vassalagem, lançou-se de bruços, com lágrimas a entrecortarem-lhe a voz, o peito arfante perguntou!
   Senhor!... Por que me apareceis?... Que me quereis dizer?... Desejeis acrescentar a fé a quem tanta traz no peito? Se o inimigo Vos pudesse ver, como eu vos estou vendo, talvez esse pudesse acreditar em vós! Por mim, creio que sois Deus Verdadeiro.
   Uma voz serena e bela fez-se ouvir:
Afonso! Não te apareci deste modo para acrescentar atua fé em mim, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os princípios do teu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só vencerás esta batalha, como todas as outras em que pelejares contra os inimigos da minha Cruz. Vai!
   D. Afonso Henriques ergueu-se. A hora estava tardia e no arraial talvez já tivessem dado pela sua ausência. Tomou o escudo e a espada, e voltou serenamente para a sua tenda. Ao chegar João Fernandes de Sousa e mais três homens da sua confiança esperavam-no com certa impaciência.
    Senhor, como tardastes!
    Estai calmos, que a vitória será nossa. Como estão os nossos homens?
   Bem, Senhor. Ansiosos que a manhã chegue para que seja dado o sinal de combate!
   Pois se estão ansiosos, ide prepara-los. Iniciaremos a luta antes mesmo que a manhã desponte!
  A batalha travou-se, dura. Desde as primeiras horas da manhã até à noite que os soldados de D- Afonso Henriques viam chegar hordas de sarracenos, com se nunca fossem extinguir, eram acometidos de todos os lados: e dir-se-ia que a sorte não ficaria com eles, quando um troço de cavalaria escolhida, caindo sobre a primeira coluna sarracena, a separou do resto do exército, dizimando-a. Perto, andava Ismael, que ao ver completamente derrotada a sua primeira coluna e vendo o arrojo com que os portugueses lutavam, indiferentes ao perigo, prontos a vencer ou morrer, encheu-se de um pavor súbito e fugiu. Então o resto do exército, vendo a fuga do seu rei, seguiu-o em debandada, as forças portuguesas foram-lhe no encalço.
   O desbarato dos sarracenos foi total. Os cinco Reis do inimigo foram derrotados.
   Em campo aberto os soldados de D. Afonso Henriques loucos pela vitória aclamaram-no rei pela primeira vez! E ali mesmo o primeiro rei de Portugal resolveu que a bandeira portuguesa passasse a ter cinco escudos em cruz, representando os cinco Reis vencidos e as cinco chagas de Cristo, carregadas comos trinta dinheiros por que Judas vendeu o Redentor. A 25 de julho de 1139, a vitória de Ourique impôs para todo o sempre as cinco quinas na bandeira de Portugal!

FONTE: LENDAS DE PORTUGAL; VOL 2: Gentil Marques.
               Círculo de Leitores, 1997.

 Coimbra, junho de2015
 Carminda Neves




 




sexta-feira, 5 de junho de 2015

SINAIS DE LUZ

2015 ano internacional da luz
Existe desde os primeiros momentos da criação e tem estado sempre presente, não podia ser de outra forma. A luz e a vida são inseparáveis, mas a relação e a dependência entre uma e outra nem sempre foi percebido como algo intrínseco. Foi necessário esperar pelo século XX, para que a luz ocupasse lugar de destaque. Desde então que as invenções se atropelam, sucessivamente. E no entanto, aluz esteve sempre presente, o que mudou foi o nosso olhar.


Hoje, sabe-se que as células de um qualquer ser vivo obtêm e transformam energia, sendo conhecidos os processos bioenergéticos, como a fotossíntese, a fermentação, a respiração aeróbica ou a quimiossíntese. A luz que é energia é armazenada nas moléculas orgânicas que podem ser consumidas pelos vários seres vivos do ecossistema, incluindo o homem. Se a luz é a base do nosso equilíbrio biológico, essa mesma luz também pode ser um caminho para tratar o próprio organismo. É isso que a ciência tem feito.
                             
O laser, que afinal é uma sigla (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation),em português (Amplificação de luz por emissão estimulada de radiação) é o melhor exemplo de como um feixe de energia direcionado pode mudar tanto as nossas vidas. Em pouco mais de 50 anos, o laser e a fibra ótica abriram novos caminhos que vieram afetar o nosso dia -a- dia, como por exemplo as telecomunicações, que contam com a ajuda do fibra ótica para transportar os sinais de luz ou simplesmente as lâmpadas LED que começamos a usar lá em casa, mas, de entre todos os ganhos que esta “nova” luz trouxe à vida, foi na medicina que se escreveu o maior número se êxitos. É com o recurso à fibra ótica que hoje se faz um sem número de cirurgias e é graças ao laser que a medicina ficou menos invasiva e mais curativa. As várias especialidades médicas já não dispensam este feixe de luz.

Estamos rodeados de um “oceano” de luzes, mas os nossos olhos só estão aptos a captar uma pequeníssima parte, aquilo a que convencionámos chamar luz ou luz visível. O restante conjunto e que engloba todas as outras luzes “invisíveis”, combinou-se chamar radiação eletromagnética. São outras “luzes” ou radiações que têm vindo a ser usadas e adaptadas às novas tecnologias.

Na saúde, tudo começou com um raio X. a radiologia acabou por se tornar uma especialidade médica mas, num curto espaço de tempo, já não conseguia conter todas as capacidades e engenhos tecnológicos. Hoje, há uma nova especialidade médica que revela o modo de funcionamento do corpo, além de apresentar propostas terapêuticas mini invasivas, chama-se imagiologia.

A física continua a ser a grande aliada e enquanto permanecer esta coligação, as ciências da vida continuarão a escrever êxito e sucesso. Para trás ficaram grandes invenções ex: Newton (1687) Fresnel (1815) Einestein 1915 entre outros.


É este passado e o futuro que se planeia à volta da luz que a ONU/UNESCO querem comemorar durante todos os dias de 2015: ANO INTERNACIONAL DA LUZ.


FONTE: Revista “Olhares” CENTRO CIRURGICO DE COIMBRA.
              Desconheço o Autor

Coimbra, junho de 2015

Carminda Neves

quarta-feira, 3 de junho de 2015

AMAR É ARRISCAR TUDO.


O amor é algo extraordinário e muito raro. Ao contrário do que se pensa não é universal, não está ao alcance de todos, muito poucos o mantêm aqui. Chama-se amor a muita coisa, desde todos os seus fingimentos até ao seu contrário: o egoísmo.
A banalidade do gosto de ti porque gostas de mim é uma aberração intelectual e um sentimento mesquinho. Negocio estranho de contabilidade organizada. Amar na verdade, amar, é algo que poucos aguentam, prefere-se mudar o conceito de amor a trocar as voltas à vida quando esta parece tão confortável.
Amar é dar a vida a um outro. A sua. A única. Arriscar tudo. Tudo. A magnífica beleza do amor reside na total ausência de planos de contingência. Quando se ama, entrega-se a vida toda, ali, desprotegido, correndo o tremendo risco de ficar completamente só, assumindo-o com coragem e dando um passo adiante. Por isso a morte pode tão pouco diante do amor. Quase nada. Ama-se por cima da morte, porquanto o fim não é o momento em que as coisas se separam, mas o ponto em que acabam.
Não é por respirar que estamos vivos, mas é por não amar que estamos mortos.
De pouco vale viver uma vida inteira se não sentirmos que o mais valioso que temos, o que somos, não é para nós, serve precisamente para oferecermos. Sim, sem porquê nem para quê. Sim, de mãos abertas. Sim… porque, ainda além de tudo o que existe, há um mundo onde vivem para sempre os que ousaram amar…

FONTE: José Luís Nunes Martins,
In “Filosofias- 79 Reflexões”.
Texto tirado da revista “Olhares” Centro Cirúrgico de Coimbra

Coimbra, junho de 2015

Carminda Neves