Em
tempo que a História não conta, reinava na cidade de Colimbriga ou Conimbriga,
perto de vila de Condeixa um rei chamado Arunce, os seus domínios eram vastos,
ultrapassavam o castelo de Arunce (hoje Lousã). Tinha Arunce uma filha muito
bela chamada Peralta. Vários cavaleiros de casa de Arunce interessavam-se pela
princesa, mas esta olhava das torres do seu castelo o campo vasto de belos
horizontes e ficava a cismar. Ela via e revia a figura esbelta de um cavaleiro
alto, de peito largo, atlético, olhos brilhantes, olhar franco, voz profunda e
meiga. Suspirava a princesa. Tudo isso, afinal, não passava de um sonho.
Ora, certa vez em que a princesa na sua doce
meditação, viu chegar, inesperadamente, um exército inimigo. A jovem ficou
estática. Os guerreiros aproximavam-se com rapidez. O alarme foi dado pelos
vigias.
Procuraram a princesa. Ela continuava
imóvel, olhando o comandante inimigo que se destacava à frente das suas tropas.
Era um cavaleiro jovem, belo, decidido. O rei gritou-lhe:
Minha filha! O inimigo desembarcou de
numerosas naus ancoradas no porto e correu para aqui, onde nos está cercando!
A princesa tinha o semblante triste, a voz
dolorida.
Nunca odiei tanto a guerra como neste momento!
O rei tornou:
Coragem! Eles começaram a atacar e já temos
feridos e mortos.
Ela
apenas respondeu com um suspiro. O rei irritou-se.
Que serenidade a vossa minha filha! Quero
acreditar que estais inconsciente! Padeceis de um mal que vos põe abstrata. Mal
de que as vossas aias falam e de que a corte começou já a murmurar. Porém, este
momento é grave. Eu sou o rei e vosso pai! Tendes de ouvir-me. O castelo que
mandei construir na floresta (Lousã) e achastes medonho vai agora servir-nos!
Sempre serena, a princesa ripostou:
Ficaremos enterrados vivos! O castelo,
situado num local distante da serra, é como se fosse uma ilha!
Mas difícil de ser descoberto, e mais difícil
ainda de ser conquistado.
Pensais então que poderemos sair daqui?
Tentaremos! Preparai as vossas coisas mais
necessárias ou valiosas.
Logo
que a noite chegue sairemos pela porta secreta. O vosso cavalo branco
esperar-vos-á no átrio norte.
Nos
seus aposentos, com as suas aias, a princesa esperava que viesse a ordem de
partida. Falava baixo, compassadamente, sem medo.
Nesse momento um homem estranho surgiu na
entrada dos aposentos, avançou em direção à princesa.
Senhor, que ousadia a vossa!
Ele
teve um leve sorriso e declarou:
Dizei às vossas damas, que venho como libertador
e não como inimigo!
Vós
o dizeis… Contudo, bem vos vi à frente do exército que invade os nossos
domínios!
Serenamente,
o cavaleiro replicou:
Por comandar um dos troços desse exército
pude chegar até aqui.
Também
vos divisei numa janela da torre. E a curiosidade de vos ver de perto levou-me
a cometer esta leviandade. Estou neste momento em perigo de vida!
Como chegastes a este recanto do castelo?
Pondo
fora de combate quantos, encontrei pelo caminho.
Pois sabei que espero, o rei meu pai. Ele
poderá entrar de um momento para o outro. Se o fizer. Um dos dois morrerá. E
não desejo que seja ele!
Juro-vos que a vosso pai nada acontecerá se
isso depender de mim!
Que quereis então?
Avisar-vos que, antes do nascer do sol, o castelo
será nosso. E não sei o que poderão fazer os outros chefes!
Achais que isso está para breve?
Dentro de meia hora faremos a ultima
avançada. Tendes pois, de fugir!
Calculastes, cavaleiro, que tentaríamos fugir
e acertastes. Quereis, acaso, impedir a nossa viagem, mascarando-vos de
protetor?
Pela minha espada vos juro que vos quero
salvar!
E porquê, cavaleiro?
Senhora, já perguntastes à rosa porque tem
perfume? Quando vos vir a salvo e se ainda for essa a vossa vontade, vos direi
porque arrisquei a vida para vos salvar!
Juro-vos que pagarei com a vida este meu
ato! Deixar-me-ei matar por vosso pai ou por algum dos vossos. Ficará assim
atenuada a falta que cometo para com os meus homens.
A vossa atitude é tão estranha…
O dia virá em que podereis compreender-me.
Como vos chamais?
Laurus.
A
princesa olhou-o profundamente e declarou:
Laurus, não vos esquecerei. Confio em vós.
Quando
o rei Arunce entrou e se viu em face de um desconhecido embrulhado num manto,
ficou estupefacto. A princesa explicou-lhe a situação. O rei mostrou-se altivo:
Retirai-vos! A vossa companhia não nos
agrada!
Laurus
respondeu com certa ironia:
Se não vos avisasse, saberíeis que esta fuga
era impossível
O rei voltou a gritar:
Retirai-vos já, ou tomar-vos-ei como
inimigo que sois!
Sem
dar tempo a qualquer luta, aprincesa interpôs-se entre eles.
Meu pai basta de luta! Partamos, pois já
oiço vozes bem perto!
Laurus explicou:
Foi dada a ordem de atacar. Não tardam aí os
meus homens. Fujam! Eu os deterei!
Todavia, o rei Arunce ordenou aos seus
guardas. Isolem este homem enquanto nos retiramos! Não confio no inimigo.
Envergonhada a princesa censurou:
Meu pai, devemos-lhe a vida! Sei que não
mente!
Mas
o rei, ordenou:
Vamos o tempo urge!
A marcha foi penosa. A princesa voltara ao
seu alheamento costumado.
Passaram a ribeira. As suas vidas estavam a
salvo, pelo menos nos dias mais próximos. Declarou o rei:
Neste castelo isolado encontraremos abrigo
seguro enquanto não arranjarmos reforços. A esta ribeira darei o meu nome. À
terra que circunda este castelo darei o nome da minha filha Peralta.
Dissestes à vossa guarda que viesse aqui
procurar-nos?
Disse.
Tardam!
Pouco
mais de um dia tinha passado quando uma das aias disse à princesa:
Chegou a guarda real!
Só?
Sim. Senhora.
Há feridos?
Um apenas, e ligeiramente.
O castelo que deixámos?
Foi ocupado pelo inimigo.
E o cavaleiro que nos salvou?
Desse nada sei, Senhora!
Pois ide dizer a meu pai que desejo
falar-lhe. Mal avistou o rei, perguntou:
Senhor, que novas nos dais do cavaleiro que
nos ajudou na retirada?
Acabo de saber pelos meus guardas que se
deixou matar por nós. Dir-se-ia que não sabia combater!
A princesa fez-se pálida. As lágrimas rolaram
dos seus olhos. Cambaleou.
Aflito
Arunce, perguntou:
Filha! Porque vos desgostais tanto? Mal o conhecemos!
A princesa murmurou:
Morreu o meu cavaleiro!
Entreolharam-se a aia e os dois guardas, sem
crer no que ouviram; o chefe inimigo era o cavaleiro da princesa! Atormentado o
rei deixou a filha chorar. Quando ela se levantou para se retirar perguntou com
brandura:
Dizei-me porque chorais assim um
desconhecido?
Achais que um desconhecido seria capaz de
dar a vida por nós?
Pois não era um desconhecido? Quem era
então? Donde veio? Como o conhecíeis?
O olhar da princesa, fitou o infinito e
murmurou:
Desde que me lembro que o via… hora a hora…
a caminhar para mim… tal como apareceu, na verdade. Belo, valente! Deu a vida
por nós… e eu daria a vida por ele… contudo nunca trocamos uma palavra de amor…
nunca! Nos meus devaneios surgia… e fugia depois como fumo! Compreendo agora o
significado. Nunca o teria perto de mim… só para mim!
Filha delirais!
Achais assim… porque sois incapaz de
compreender-me! Laurus foi para vós apenas o inimigo. Para mim… continuará a
ser o meu cavaleiro, o meu único amor!
Não podereis compreender. Mesmo sem nos
encontrarmos, há muito que nos pertencíamos! E sabíamos disso… sabíamos!... Por
esse motivo, agora que ele morreu para o mundo, quero fazer-vos um pedido.
É vosso desejo dar a esta ribeira o nome de
Arunce em homenagem ao rei que habita este castelo. Pois peço-vos, Senhor, que
se dê a esta terra, não o meu nome, mas o daquele que tornou possível a nossa
estada neste lugar: o nome do meu cavaleiro!
O rei não cabia em si de espanto.
Pois quereis que se dê a esta terra…
A
princesa não o deixou terminar.
Perdoai
Senhor! Desejo que esta terra seja a terra de Laurus.
Pois seja a terra de Laurus!
A princesa sorriu pela homenagem prestada ao
seu cavaleiro. Depois saiu silenciosa, sem pressa de chegar, como se a vida já
não contasse para ela.
Arunce foi contemporâneo de Sertório que
tinha a sua corte em Conimbriga. A ribeira que primeiramente tomou o nome de
Arunce, chama-se agora Arouce. Com este nome existe, ainda uma povoação. Ou
melhor essa povoação chama-se agora foz de Arouce. Pois é lá que desagua no rio
Ceira o hoje rio Arouce.
A História não fala de Laurus mas de um Lausus, que mais tarde deu o
nome à vila de Lousana, e do qual também deriva, provavelmente, o nome da
bonita vila da Lousã.
Condeixa tem foral desde o reinado de D. Manuel I a 3 de Junho de 1514.
Povoação muito antiga, na área da sua
freguesia existem as ruínas da célebre cidade romana de Conimbriga. Antigamente
Condeixa era porto de mar.
FONTE:
Lendas de Portugal; Gentil Marques; volume V 1997
Junho
de 2014
Carminda
Neves