Fotografia de Carminda |
monumento a Viriato |
Em baixo na planície, um sacerdote esperava-os. Vendo chegar o grupo, o sacerdote com ar resoluto e olhos brilhantes, dirigiu-se àquele que parecia comandá-los.
Meu filho! Em nome do deus Endovélico (deus mitológico da antiga Lusitânia séc.II a. C.) serás a partir deste momento o chefe supremo do exército dos pastores da serra. Assim, concedo-te o grande colar de oiro do comando!
Como resposta ouve um clamor de entusiasmo gritando por Viriato.
Reunindo os povos lusitanos sob o seu comando, Viriato encetou a sua grande luta de grande chefe, (os soldados “suldórios” de Viriato eram todos voluntários) com grandes proezas que assustaram Roma.
Entre esses voluntários, surgiu certo dia um jovem, de cabelos loiros e olhos azuis, figura frágil, quase feminina, que viera de muito longe com o desejo de ser também um suldórios. Ao vê-lo, Viriato chamou-o à sua tenda. O jovem acorreu imediatamente.
Aceitaram-te como voluntário e ouviste bem as nossas regras. Não desististe! Mas repara que és ainda muito novo para morrer e na verdade com esse ar delicado… não sei se confio muito em ti como guerreiro.
No rosto do adolescente surgiu uma expressão de receio e ansiedade.
Não te preocupes com o meu aspeto, Viriato! Juro-te que lutarei como os melhores. O chefe lusitano olhou para o rapaz estupefacto.
Que voz a tua! Condiz com o teu corpo, que mais parece de donzela… tenho receio de que se riam de ti.
Descansa que ninguém se rirá. E se alguém se atrever, a minha espada o calará.
A tarde morria ao longe, num vagar que definia força. Resistência entre a luz e as trevas, entre a vontade e o destino.
A luta continuou, as vitórias seguiram-se: Toledo, Évora, Viseu! Em todo o lado de modos e falas estranhas se mostrou sempre como valente guerreiro. Viriato não pôde esconder a sua admiração. E certa tarde em que ambos se encontraram no campo, o chefe lusitano achou por bem elogiá-lo
És na verdade um soldado extraordinário! Hoje, vi bem que me salvaste a vida. Doravante quero-te sempre a meu lado.
Sim! Na vida ou na morte estarei sempre a teu lado!
Viriato sorriu.
Voltou a fixar o soldado, que desviou o olhar para um ponto indeterminado.
Viriato continuou a falar. Agora o tom da sua voz era diferente. Havia nele algo de indefinível e na expressão do seu rosto surgiu um estranho sorriso.
Bem… Não pensemos agora na morte. A tarde está bonita… Apetece-me ir visitar Vanídia (noiva de Viriato) eleita do meu coração, a qual há muito tempo espera por mim!
Queres vir comigo?
Não, meu senhor. Para negócios de amor, certamente não precisareis de mim.
Tens razão. Em negócios de amor não precisarei de ti! E dando costas ao jovem, Viriato seguiu o seu caminho.
O chefe lusitano desceu a montanha sem nunca olhar para trás. Um único pensamento ocupava agora a sua mente, Vanídia, e pedir-lhe perdão por demorar tanto tempo.
Era quase noite. Mas na alma de Viriato havia luz, muita luz, como sol em pleno meio-dia!
Ao vê-lo, Vanídia correu para ele.
Viriato! Demoraste tanto! Cheguei a recear por ti!
Tens razão demorei muito, mas valeu a pena, aqui estou e com boas notícias!
Ela sorriu, feliz. Tenho tido conhecimento das tuas vitórias!
Não se trata agora de guerra. Trata-se do nosso casamento.
Será possível, Viriato tens-medito tantas vezes a mesma coisa!...
Querida! Se eu derrotar os exércitos de Caio Uminiano (Pretor romano acabado de chegar de Roma para combater Viriato. Morreu nessa batalha “Campo de Ourique”) e de Caio Nigídio,
(Pretor romano que sucedeu Uminiano. Atacou a Lusitânia pelo lado dos Transcuolanos (atual Serra Morena Espanha); mas Viriato foi em auxílio deste povo e derrotou o pretor no ano de 146 antes de Cristo), numa famosa batalha que deu origem lendária aos nomes de Esculca e cabeça de Esculca, aldeia e outeiro que ainda hoje existem. Igualmente vem dessa altura, na tradição popular, a origem do nome de Abraveses, diz-se que por aí ter acampado, antes da grande batalha, a bravesa lusitana…
Na verdade, Viriato venceu. E cumpriu a sua promessa, casou com Vanídia, filha do rico Astolpas. A cerimónia realizou-se em Vaaca (nome que antigamente se dava a Viseu. Porem para muitos estudiosos, tal hipótese é absurda, pois Vaaca ou vácua era também o nome do rio Vouga (Plínio) e a atual cidade de Viseu fica bem longe do rio Vouga).
Imagem de Mulher |
A vida é roda que gira, às vezes quase em vertigem. O tempo passou. E então, não sendo possível aos romanos vencerem pela força o chefe da rebeldia e altiva Lusitânia, valeram-se da astúcia - que é por vezes o caminho da traição.
É de todos os tempos a existência de mentes fracas, capazes de tudo por uma ambição fogaz. Também na Lusitânia houve traidores. Traidores que levaram Viriato à morte a troco de dinheiro. De noite, aproveitando a hora de descanso, entraram na tenda de Viriato, apunhalaram-no e levaram-lhe a cabeça para apresentarem ao Cônsul Romano!
Entretanto no acampamento alguém dera subitamente o alarme. Alguém que chorava convulsivamente abraçado ao corpo de Viriato: (aquele que fora o glorioso chefe dos lusitanos). E esse, alguém era o jovem soldado desconhecido.
A dor encheu o acampamento. A dor, a indignação, a tristeza, a amargura, um grito enorme surgiu, cortando a noite. Viriato era amado até à idolatria. Foram-lhe feitos solenes funerais. Foi erguida uma enorme pira, onde seria queimado o corpo de Viriato, para depois guardarem as suas cinzas. Envolto no seu manto de comando e levando o seu colar de oiro; o que fora valoroso chefe lusitano em breve começou a arder Os suldórios desafiavam-se em combate, como holocausto àquele que haviam jurado defender até à morte. E o exército reclamava novo chefe. De súbito, alguém apontou o vulto de um jovem pálido, rosto marcado pelas lágrimas, que parecia desafiar o próprio fogo onde o corpo de Viriato ardia. E diziam:
Morte de Viriato |
E num gesto súbito, a mulher- soldado lançou o seu esbelto corpo às chamas ardentes…
Todos os presentes ficaram perplexos! A tarde, porém, morria sem queixumes, concedendo ao fogo o direito de a substituir na sua luz.
Viriato deixara de existir. E com ele ardia agora o corpo daquela que fora um dos seus melhores soldados, e jurara estar aseu lado para sempre, na vida ou na morte!
Fonte: LENDAS DE PORTUGAL. VOLUME II 1997; Gentil Marques. Círculo de leitores.
Fotografias:WEB
Março de 2014
Carminda Neves
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