sábado, 14 de agosto de 2010

Calçada de Carriche





QUANTAS VIDAS COMO A DA LUISA DE ANTÓNIO GEDEÃO



Luísa sobe,sobe a calçada,sobe e não podeque vai cansada.Sobe, Luísa,Luísa, sobe,sobe que sobesobe a calçada.Saiu de casade madrugada;regressa a casaé já noite fechada.Na mão grosseira,de pele queimada,leva a lancheira desengonçada.Anda, Luísa,Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada.Luísa é nova,desenxovalhada,tem perna gorda,bem torneada.Ferve-lhe o sangue de afogueada;saltam-lhe os peitos na caminhada.Anda, Luísa.Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada.Passam magalas,rapaziada,palpam-lhe as coxas não dá por nada.Anda, Luísa,Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada.Chegou a casa não disse nada.Pegou na filha,deu-lhe a mamada;bebeu a sopa numa golada;lavou a loiça,varreu a escada;deu jeito à casa desarranjada;coseu a roupa já remendada;despiu-se à pressa,desinteressada;caiu na cama de uma assentada;chegou o homem,viu-a deitada;serviu-se dela,não deu por nada.Anda, Luísa.Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada.Na manhã débil,sem alvorada,salta da cama,desembestada;puxa da filha,dá-lhe a mamada;veste-se à pressa,desengonçada;anda, ciranda,desaustinada;range o soalho a cada passada,salta para a rua,corre açodada,galga o passeio,desce o passeio,desce a calçada,chega à oficina à hora marcada,puxa que puxa,larga que larga,puxa que puxa,larga que larga,puxa que puxa,larga que larga,puxa que puxa,larga que larga;toca a sinetana hora aprazada,corre à cantina,volta à toada,puxa que puxa,larga que larga,puxa que puxa,larga que larga,puxa que puxa,larga que larga.Regressa a casa é já noite fechada.Luísa arqueja pela calçada.Anda, Luísa,Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada,sobe que sobe,sobe a calçada,sobe que sobe,sobe a calçada.Anda, Luísa,Luísa, sobe,sobe que sobe,sobe a calçada.








António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967)

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